terça-feira, 12 de agosto de 2014

Filosofia em termos católicos: uma lição de Clemente de Alexandria.

Clemente de Alexandria, mestre autorizado pela Igreja. 


O senhor Olavo de Carvalho, dito filósofo e católico, no seu curso de filosofia se distancia radicalmente do que diz Clemente de Alexandria, padre da Igreja, sobre a filosofia. Ele nos ensina como um católico deve exercitar a atividade filosófica e com que critérios. 

Estrômates de Clemente de Alexandria

Tema da obra: fazer ver que a filosofia é, em si, uma boa coisa pois foi querida por Deus.

Contexto da obra: Igreja de Alexandria no século II DC. A mesma era formada por homens simples e sábios. Alexandria era um centro cultural e havia na Igreja alexandrina da época muitos convertidos que conheciam a filosofia grega em alto nível. Este é o caso de Clemente. Os cristãos simples de Alexandria recriminavam Clemente por se dedicar a filosofia propondo, no lugar disso, uma fé sozinha e nua não só de filosofia mas de teologia ou qualuqer especulação.

O que explicava essa tendência simplorista era o exemplo dos gnósticos que parecia provar o caráter nocivo da filosofia. Os defensores de tal tendência estimavam que um cristão devia se afastar dela.

Clemente visa provar que a filosofia pode ajudar a fé.

Conteúdo da obra: Clemente começa falando que Deus no AT fala de homens que foram cheios do espírito de sabedoria(Exôdo 28, 3). Sendo esse sentido um dom de Deus não se pode admitir que a filosofia, que é sua obra, seja uma coisa ruim e condenável aos olhos de Deus.

Alguns objetavam que a filosofia tinha se tornado algo dispensável desde que Deus substituiu-a pela fé. A isso Clemente respondia dizendo se tratar de uma incompreensão do papel da filosofia na história.

Antes de Cristo havia a lei judaica, desejada por Deus. Por outro lado havia os gregos sem fé nem lei, mas não sem recursos, pois tinham a luz da razão natural que não só os julgava, como diz São Paulo, mas os preparava para receber o cristianismo, como se pode ver lendo Platão. Deus não falava diretamente aos filósofos como fazia com os profetas ao lhes dar uma revelação, mas guiava-os indiretamente pela razão que é uma luz divina. Se Deus quis a razão foi por que ela serve para alguma coisa. Todo o curso do saber humano são dois rios: a lei judaica e a filosofia grega dos quais o cristianismo jorraria como uma nova fonte. Clemente diz que há dois antigos testamentos e um novo. A lei aos judeus, a filosofia aos gregos; a lei, a filosofia e fé aos cristãos. Antes de Cristo a filosofia servia aos gregos para sua justificação, agora continua servindo para prepará-los a fé e quando a obtiverem para defendê-la e aprofundá-la.

Notemos que ela só pode ser útil contanto que se mantivesse em seu devido lugar. A escritura diz para nos guardarmos da mulher estranha( Provérbios 7, 5)  e fazermos uso das ciências profanas sem nelas nos determos. " Elas preparam, com efeito, para receber a palavra de Deus e contêm o que, em tempos diferentes, foi dado a cada geração em seu interesse; mas aconteceu que alguns, inebriados pela beberagem das servas negligenciaram sua ama que é a filosofia. Alguns dentre eles envelheceram no estudo da música, outros no da geometria, outros ainda no da gramática, muitos no da retórica. Ora dos mesmo modo que as artes liberais servem à filosofia, que é sua ama, a própria filosofia tem por finalidade preparar a Sabedoria. A Sabedoria é senhora da filosofia como a filosofia é das disciplinas que a precedem.". Vemos esboçar nesse trecho do Estrômates a fórmula "philosophia ancilla theologiae".

Eis a imagem bíblica que Clemente usa: " Sara, esposa de Abraão era estéril. Como não concebia permitiu que ele tomasse sua escrava egípcia, Agar, na esperança que ele tivesse uma posteridade. A Sabedoria( Sara) que coabitava com o fiel ( Abraão) era, portanto, estéril nessa primeira geração; e ele queria que o fiel que tinha de progredir, se unisse primeiro a ciência do mundo - pois é o mundo que o Egito significa alegoricamente - para gerar dela Isaque, pela vontade da divina providência. Aquele que se instruiu primeiro nas ciências pode se elevar até a Sabedoria, que as domina e de onde nasce a raça de Israel. Abraão passou das verdades mais elevadas a fé e justiça que são de Deus. Abraão diz a Sara " eis aí tua serva faz com ela o que quiseres" pois ele so retém da filosofia do mundo o que ela tem de útil.

A filosofia consiste na busca da verdade e no estudo da natureza. O senhor disse: eu sou a verdade. A ciência que precede esse repouso na verdade que é a ciência de Cristo, exercita o pensamento, desperta a inteligência e aguça o espírito para se instruir na suprema verdade. A filosofia é, para a fé, uma auxiliar e um preparação. A fé e a filosofia tem raiz comum. O homem tem a faculdade de conhecer ( phronesis). Quando pode conhecer os primeiros princípios ela é pensamento( noésis); quando desenvolve esse pensamento em raciocínios é ciência( gnose); se ela se aplica aos problemas da ação é arte( tekhne); quando ela se abre à piedade, crê no Verbo e nos dirige para a prática dos seus mandamentos. É  por ser una que a Sabedoria vai colocar ordem na filosofia. Como as bacantes despedaçaram o corpo de Penteu, as seitas filosóficas quebraram a unidade natural da verdade: cada uma guarda uma pedaço dela e se gaba de possuí-la inteira.

Assim impõe-se antes de mais nada um trabalho de eliminação: há certa filosofia que o cristianismo não poderia assimilar pois é falsa. Por exemplo os textos de São Paulo sobre as as loucuras dos sábios deste mundo podem ser todos canalizados para Epicuro e seu hedonismo. O termo filosofia não designa nenhuma doutrina particular, nem a de Platão ou Aristóteles, mas antes aquele ensinamento de justiça e piedade com o qual concordam por sinal escolas assaz diferentes. A fé cristã é princípio de seleção que só permite reter de cada doutrina o que ela contém de verdadeiro e útil. Os dois mestres por excelência serão Pitágoras, homem iluminado por Deus e Platão cuja filosofia se volta toda para a piedade. A fé é senhora da filosofia como a filosofia é das artes liberais.

Fonte: Etienne Gilson. Filosofia na Idade Média. Resumo das páginas 43 a 47.


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